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segunda-feira, 13 de março de 2017

Máquinas feitas de ouro?


Na minha infância, toda vez que pedia alguma coisa para minha mãe, como um doce da vitrine do empório, uma revista do Pato Donald ou um pacote de figurinhas, ela sempre me perguntava o preço que eu ia pagar.

Invariavelmente, quando ouvia o valor, protestava:

- Mas isso é feito de ouro?!?

Minha mãe era rigorosa, mas era mãe, por isso, não resistia à minha insistência. Mesmo assim, antes de abrir a bolsa de moedas, avisava:

- É pra comprar um só! Eu quero o troco de volta!!

Faz tempo que não tenho mais espaço para ter mais máquinas de escrever. Como são todas queridas, teria um profundo arrependimento se resolvesse vender qualquer uma delas.

Mas a falta de espaço não me impede de passear por anúncios e, talvez, me encantar.

Já faz tempo que não vejo qualquer máquina que faça meu coração pular, como um modelo raro ou uma peça com pouco uso.

E, ultimamente, mais do que as características das máquinas, o que tem me chamado a atenção é o preço cobrado por elas, mesmo que estejam em mal estado.

Outro dia, vi uma Olivetti antiga que não tinha preço. O sujeito me respondeu que venderia por R$1.000, então, contendo a gargalhada, mantive a educação e ofereci o valor justo de R$200. Como resposta, o vendedor alterou seu anúncio, sapecando R$2.000. Tento advinhar quantos anos ele vai esperar por outra oferta.

Hoje, para a minha surpresa, encontro outro anúncio, dessa vez de uma Olivetti Lettera 22 oferecida por R$1.200!!!

Não discuto o valor afetivo. A máquina que foi de uma pessoa querida, como o vovô já falecido, não pode ter preço. Deve permanecer na família, como uma lembrança viva para as próximas gerações. Mas o aspecto pessoal não tem valor no mercado.

A Lettera 22 é uma ótima portátil, mas nada justifica tanto dinheiro, nem que tenha sido usada pelo Papa. A não ser que, literalmente, seja feita de ouro.



quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Pão ou pães, é mesmo questão de opiniães?


Pegue o jornal ou o portal de informações do dia e marque todas as notícias assustadoras que encontrar. Depois, marque as boas, se encontrar. Compare a diferença.

Existe uma máxima do jornalismo que deve valer para sempre, "o que é notícia não é o fato de o cachorro morder o dono, mas o dono morder o cachorro", em outras palavras, a boa notícia para quem vende jornal ou chama a atenção para o anunciante está fundamentada no incomum, por isso, notícias boas não interessam.

Crianças e famílias satisfeitas pelo atendimento de uma escola pública é uma manchete que você nunca poderá ler em um meio de comunicação comercial, mas basta um problema pontual para que o mandatário seja colocado em dúvida, principalmente se a notícia vier acompanhada de suspeitas de corrupção e superfaturamento, dois temas que atraem o olhar dos que sofrem para manter o emprego e pagar suas contas, ou seja, a maioria.

Faça uma busca nas notícias anteriores à abertura das Olimpíadas do Rio, depois, veja a repercussão da aprovação internacional. Agora, me responda, em qual desses países nós vivemos?

Digo países, no plural, porque a realidade retratada é tão diferente uma da outra que fica difícil acreditar que o assunto é o mesmo. Antes, uma cidade que seria uma vergonha retumbante, depois, um orgulho nacional. Sabemos que não é uma coisa ou outra.

A manipulação da opinião pública e o jogo de interesses são fatos, jamais admitidos, mas fatos. Basta um pouco de inteligência e bom senso para percebê-los.

Isso não quer dizer que devemos imitar os avestruzes, que enterram as cabeças quando sentem medo. A informação é fundamental e dá subsídios para qualquer um se posicionar e avaliar o mundo em que vivemos, mas é preciso reflexão e fundamentação para construir a própria opinião, que irá abrir espaço para o diálogo, que nos torna humanos, sociáveis, capazes de apresentar diferentes pontos de vista.

Abandonar a inteligência para ceder à manipulação dos meios de comunicação, tomar partido e, ainda pior, repercutir opiniões polarizadas para atrair likes, significa fazer parte da boiada que segue para um único caminho: o abate.

Luciano Toriello
30/08/2016 - escrito com uma Olivetti Lexikon 80


quinta-feira, 30 de junho de 2016

Elas não têm valor


Sou do tempo que máquinas de escrever custavam tanto, que eram para poucos.

Mais tarde, começaram a entrar nas casas menos nobres, embaladas como um precioso presente para os filhos e, escondido na gaveta, um gordo carnê a ser quitado, como um investimento para o futuro.

O computador, que já havia ocupado o espaço das máquinas nos escritórios, não demorou a chegar até as casas, principalmente depois da Internet, assumindo mais do que a mesa de estudos, para empurrar as máquinas para um canto qualquer, até virarem estorvos, a serem despejados para a reciclagem.

Pesadas e inúteis, muitas foram para o ferro velho, trocadas por centavos, que mal pagavam seu peso em metal.

Hoje, com a onda retrô, a máquina de escrever virou um dos objetos de desejo dos hipsters, que acham o máximo sentar a mesa de um bar e batucar bobagens, com dois ou três dedos, sem qualquer domínio da datilografia.

E as máquinas passaram a ter algum valor. Muitas das que tenho, comprei por um preço que mal dava para encomendar uma pizza e, hoje, nem economizando na pizzaria, na lanchonete e na churrascaria, por alguns meses.

A moda é fugaz. Pode ser que alguns desses jovens se apaixonem por suas máquinas, a ponto de carrega-las pelos bares por toda uma vida, mas são grandes as chances de a maioria deles se desinteressarem, empurrando essa tendência de preço para o chão.

Daí, alguém me diz:

- Aproveite a maré alta! Venda suas máquinas e faça algum dinheiro, enquanto podem valer alguma coisa...

Mal penso nisso. Gosto de escolher cada uma delas conforme o meu desejo, como um sheik, com seu harém.

Escrito com uma Remington 11

sábado, 25 de junho de 2016

Saiu do Cartola



Encontros, novos amores e decepções transformam as nossas vidas o tempo inteiro, e se traduzem em músicas que ainda fazem girar os antigos bolachões e nos tocam pelos ouvidos.

O pé na bunda dói muito, por isso não faltam temas sobre ele.

Alguns preferem disfarçar, como Leandro e Leonardo com "eu sei guardar a minha dor, apesar de tanto amor, vai ser melhor assim".

Outros preferem dizer que deram a volta por cima, como Gloria Gaynor, em "I will survive". Nem machão dos pampas resiste ao balanço desse clássico do pop.

E o desejo por vingança ganha uma tremenda força com a voz de Beth Carvalho, quando canta "Vou festejar o teu sofrer, o teu penar. Você pagou com traição a quem sempre lhe deu a mão".

Mas se é difícil levar o pé na bunda, dar um bom pé na bunda é quase impossível, pelo menos na música.

Cartola fez isso e, não por acaso, reconheceu que, com Acontece, seria sempre lembrado:

"Esquece o nosso amor, vê se esquece.
Porque tudo no mundo acontece.
E acontece que eu já não sei mais amar.
Vai chorar, vai sofrer, e você não merece,
Mas isso acontece.
Acontece que o meu coração ficou frio.
E o nosso ninho de amor está vazio.
Se eu ainda pudesse fingir que te amo,
Ah, se eu pudesse.
Mas não quero, não devo fazê-lo,
Isso não acontece".

Se todos os pés na bunda fossem dados com essa genialidade e delicadeza, seria a falência do brega, afinal, depois disso, sobreviveria a dor pela rejeição?

Mas como Cartola é único, não falta gente chorando pelos cantos, sem perceber que é melhor sair por aí e "assistir ao sol nascer, ver as águas dos rios correr, ouvir os pássaros cantar" e, enfim, levar a vida, a sorrir.

Luciano Toriello - 25/06/2016 - Escrito com uma Remington 11

quinta-feira, 19 de maio de 2016

Instantes



Se eu pudesse viver novamente a minha vida, na próxima trataria de cometer mais erros.

Não tentaria ser tão perfeito, relaxaria mais.

Seria mais tolo ainda do que tenho sido; na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.

Seria menos higiênico. Correria mais riscos, viajaria mais, contemplaria mais entardeceres, subiria mais montanhas, nadaria mais rios.

Iria a mais lugares aonde nunca fui, tomaria mais sorvete e menos lentilha, teria mais problemas reais e menos imaginários.

Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensata e produtivamente cada minuto da sua vida.

Claro que tive momentos de alegria.

Mas, se pudesse voltar a viver, trataria de ter somente bons momentos.

Porque, se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos; não percam o agora.

Eu era um daqueles que nunca ia a parte alguma sem um termômetro, uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um paraquedas; se voltasse a viver, viajaria mais leve.

Se eu pudesse voltar a viver, começaria a andar descalço no começo da primavera e continuaria assim até o fim do outono.

Daria mais voltas na minha rua, contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças, se tivesse outra vez uma vida pela frente.

Mas, já viram, tenho 85 anos e sei que estou morrendo.


Autoria discutível. Poema atribuído ora a Jorge Luis Borges, ora a Nadine Stair.


Escrito com uma Olivetti Lexikon 80

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Renascida das cinzas







Muita gente, como você e eu, tirou da agenda aquele contato de um técnico de manutenção. Muitos nem experimentaram um serviço parecido, no máximo um ajuste de roupa na costureira ou um salto consertado no sapateiro.

No dia a dia, usamos smarthphones, computadores e tablets. Quando quebram, levamos um susto, porque nos habituamos a trocá-los antes, por modelos mais modernos. Tudo é velho com mais de 2 anos.

Com as chuvas de março, um raio caiu nas proximidades. No outro dia, as calçadas ficaram cheias de aparelhos de TV, destinados ao lixo.

Por isso, resgatar da sucata uma máquina de escrever, tomada por pó, pelos e cabelos acumulados por 30 ou 40 anos, soa como uma maluquice de grau máximo, a não ser que seja para resgatar a memória de uma pessoa querida, como o pai ou o avô.

Já ouço a sirene da ambulância na minha porta.

Essa bela Olivetti Studio 45 me chegou em uma situação deprimente. Dava nojo só de olhar.
Como se trata de um modelo relativamente comum e barato, os restauradores e colecionadores também torcem o nariz. Não querem gastar vela com defunto ruim.


Mas eu não sou como eles. Gosto de ver coisas boas funcionando bem, principalmente as máquinas de escrever.


Com apenas 2 dias de trabalho e algumas peças doadas por uma pobre coitada, sem salvação, essa linda Studio 45 renasceu das cinzas, totalmente limpa e lubrificada, como nova.


Com todas as honras, passa a fazer parte da família, entre as preferidas, que escrevem de forma macia e precisa, sem depender de energia ou sinal de internet, que desaparecem com as tempestades.

Luciano Toriello - 13/04/2016
Escrito com uma Olivetti Studio 45







quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

As alemãs são perversas






Um sujeito da cidade grande chega em um vilarejo do interior, onde está acontecendo uma 'corrida' de galos e resolve arriscar uma aposta.

Se aproxima de um caipira que está agachado em um canto, assistindo à disputa, e dispara a pergunta:

- Amigo, qual desses galos é bom?

- Ah, mas qualquer um pode ver que bom mesmo é o galo branco! - responde de pronto o matuto, com a certeza de um matemático quando diz que um mais um é igual a dois.

Confiando no capiau, que continua com os olhos grudados nas aves, o forasteiro resolve apostar todo o seu dinheiro no galo branco.

Em pouco tempo, porém, o galo preto se impõe e faz miséria do pobre branquinho.

Então, diante do prejuízo, o perdedor resolve tirar satisfação:

- Meu amigo, segui o que você disse e perdi tudo! E agora? Como é que eu fico?

O jeca não se abala. Dispara uma cusparada com tranquilidade, antes de se defender:

- Mas eu não menti! O galo branco é bom, mas o galo preto é perverso!



Nesse blog, tenho dado bastante atenção para alguns modelos conhecidos no Brasil, produzidos pela Olivetti ou pela Remington, porque podem ser adquiridos com facilidade e ainda estão na memória afetiva de muita gente.

Mas é preciso reconhecer que até mesmo alguns clássicos, que mantenho preferência, como a Olivetti Lexikon 80 e a Olivetti Studio 44, são galos brancos diante das máquinas produzidas na Alemanha.

Da mesma forma que BMW, Audi, Volkswagen, Porsche, Mercedes e outras marcas alemãs que são referência para a indústria automobilística, o mercado de máquinas de escrever teve como referência de qualidade a produção de modelos da Triumph, Adler, Torpedo e Olympia, entre outras.

A diferença salta aos olhos e aos dedos, basta ver a estrutura das peças e sentir o toque diferenciado do teclado para perceber que a precisão mecânica faz parte do DNA germânico.

Sempre que for possível escolher entre uma máquina alemã e outra produzida em qualquer outro ponto do planeta, não tenha dúvidas, as alemãs são perversas.

Luciano Toriello - 25/02/2016
Escrito com uma Triumph Gabriele 25




P.S. O autor desse blog é contrário a qualquer tipo de disputa ou competição entre animais, até mesmo quando não há crueldade ou violência, mas acredita firmemente que boas histórias ou anedotas não podem ser apagadas em nome do que passou a ser considerado 'politicamente incorreto'.